Durante mais de uma década, os filmes de heróis sustentaram os pilares da indústria hollywoodiana. Eles garantiram lucros astronômicos, audiência global e uma presença constante na cultura pop. Contudo, após o auge entre 2008 e 2019, o gênero começa a enfrentar uma crise não apenas criativa, mas estrutural. O público se distancia. As bilheterias recuam. Os roteiros empobrecem. Em meio à saturação de universos compartilhados, personagens repetitivos e narrativas cada vez mais reféns de agendas identitárias, uma pergunta se impõe: ainda vale a pena despejar centenas de milhões de dólares em produções que já não encantam como antes?

O nascimento do mito moderno

Muito antes de Vingadores ou da Liga da Justiça trilhar seu caminho nos megafranchises, heróis já habitavam as telas — mas em proporções modestas. Superman (1978), estrelado por Christopher Reeve, foi pioneiro em transformar um personagem dos quadrinhos em ícone cinematográfico. Com orçamento estimado em US$ 55 milhões e receita mundial de US$ 300 milhões, o filme demonstrou que havia um público ávido por esse tipo de fantasia.

Na mesma linha, Batman (1989), de Tim Burton, marcou época ao combinar estética sombria e um Coringa visceral com um herói urbano e traumatizado. Custando US$ 35 milhões, arrecadou US$ 411 milhões globalmente. Naquele momento, Hollywood ainda via os super-heróis como apostas isoladas, não como um sistema industrial.

A profissionalização do gênero

Foi a partir dos anos 2000 que os filmes de heróis deixaram de ser exceções para se tornar uma linha de produção planejada. A trilogia X-Men (2000–2006) e a saga Spider-Man, de Sam Raimi, consolidaram a viabilidade comercial do gênero com bilheterias superiores a US$ 700 milhões cada. A tecnologia dos efeitos especiais amadurecia, enquanto os roteiros incorporavam dilemas sociais e dramas pessoais, elevando o patamar artístico sem perder apelo de massa.

Iron Man (2008) deu início ao Marvel Cinematic Universe (MCU), consolidando o modelo de franquias interligadas. O orçamento de US$ 140 milhões foi amplamente recompensado com US$ 585 milhões em bilheteria. A fórmula se refinaria e se expandiria nos anos seguintes, gerando uma máquina de lucro inédita na história do cinema moderno.

O auge industrial: Marvel, DC e a corrida pelo bilhão

Entre 2012 e 2019, o gênero atingiu o ápice financeiro e cultural. Filmes como The Avengers (US$ 1,5 bilhão), Black Panther (US$ 1,3 bilhão) e Avengers: Endgame (US$ 2,8 bilhões) dominaram bilheteiras e premiações. O orçamento médio ultrapassava facilmente os US$ 200 milhões, mas o retorno podia ser cinco ou seis vezes maior.

Na mesma década, a Warner apostou no DCEU, tentando replicar o sucesso da Marvel com personagens como Superman, Batman e Mulher-Maravilha. Embora tenha atingido bons números com Aquaman (US$ 1,1 bilhão) e Wonder Woman (US$ 822 milhões), o universo narrativo da DC enfrentava instabilidade criativa e rejeição crítica frequente.

O modelo parecia infalível: construção serializada, fan service, trailers grandiosos, e lançamentos anuais. Entretanto, a repetição de fórmulas e a crescente dependência de efeitos visuais fragilizaram a base.

O colapso após o clímax

A pandemia de 2020 freou o ímpeto da indústria, mas os problemas vinham de antes. O público já demonstrava sinais de cansaço. Entre 2021 e 2024, a crise se tornou explícita.

Filmes como The Flash (2023), com orçamento de US$ 220 milhões, amargaram prejuízo após arrecadar apenas US$ 271 milhões. The Marvels (2023) custou US$ 200 milhões, mas rendeu míseros US$ 206 milhões globalmente, configurando um dos maiores fracassos da história do MCU. A crítica apontou não apenas a repetição narrativa, mas a superficialidade dos conflitos e o uso forçado de pautas identitárias como substituto de profundidade dramática.

Mesmo personagens consagrados foram afetados. Ant-Man and the Wasp: Quantumania (2023), cujo orçamento girava em torno de US$ 200 milhões, teve desempenho abaixo do esperado e críticas severas quanto à artificialidade visual e à falta de coesão narrativa.

A cultura de diversidade, embora essencial em vários níveis, foi incorporada de maneira apressada e artificial em muitas produções. O resultado foram personagens rasos, incluídos por checklist, não por necessidade dramática. A consequência foi um público dividido, e uma crítica cada vez mais implacável.

O esgotamento do modelo bilionário

A indústria hoje enfrenta uma equação insustentável. Produções de US$ 250 a US$ 300 milhões exigem bilheterias superiores a US$ 700 milhões apenas para equilibrar as contas. No entanto, o apelo global dos filmes de heróis diminuiu. O retorno médio do investimento, que já foi de 3,5 vezes o custo, caiu para menos de 1,8× em 2023.

Ao mesmo tempo, o custo de marketing disparou. A Disney, por exemplo, gasta até US$ 100 milhões em campanhas globais para cada lançamento. A lógica inflacionária transformou cada filme de herói em um risco financeiro desproporcional — e cada fracasso, em um rombo.

O contraexemplo: menos orçamento, mais impacto

Em contraste, filmes com menor orçamento e mais consistência temática têm performado melhor proporcionalmente. Joker (2019), produzido por US$ 55 milhões, arrecadou US$ 1,08 bilhão, provando que é possível explorar o universo dos quadrinhos com profundidade psicológica e retorno financeiro massivo.

Mais recentemente, Godzilla Minus One (2023), um blockbuster japonês com orçamento de apenas US$ 15 milhões, faturou US$ 116 milhões. Enquanto isso, produções independentes e dramas originais, como Everything Everywhere All at Once (US$ 100 milhões de arrecadação com orçamento de US$ 25 milhões), indicam que o público ainda responde a inovação — quando ela existe.

Um renascimento incerto

Embora executivos da Marvel e DC apostem em um “renascimento”, os sinais ainda são fracos. Deadpool & Wolverine (2024) conseguiu gerar expectativas reais — tanto pela volta de Hugh Jackman quanto pelo tom autorreferente e violento. Porém, depender da nostalgia é sintoma de esgotamento criativo, não de renovação. Outros lançamentos futuros, como Fantastic Four (2025) e Avengers: Doomsday (2026), ainda são incógnitas. Seus desempenhos definirão se o gênero dos super-heróis pode se reinventar ou se o colapso será definitivo.

James Gunn, novo arquiteto do universo DC, promete narrativas menos formulaicas e mais íntimas. A estreia de seu Superman em 2025 será, portanto, o teste definitivo: ou comprova a possibilidade de uma nova fase de ouro — ou sela a obsolescência de uma fórmula que já custou mais do que pode render.

Conclusão

Neste cenário, manter orçamentos bilionários em um gênero claramente desgastado parece mais teimosia industrial do que visão estratégica. A necessidade de revisitar a estrutura econômica e criativa dos filmes de herói é urgente. Narrativas mais enxutas, com roteiros maduros e propostas originais, podem restaurar a conexão com o público — não o espetáculo em si, mas a alma do herói.

Afinal, o verdadeiro poder dos heróis nunca esteve apenas nos efeitos especiais ou nas cenas de ação: ele sempre esteve nas histórias que tocam, nas jornadas que inspiram. E isso, por si só, custa muito menos do que Hollywood está acostumada a gastar.

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