
A franquia Resident Evil nasceu do medo. Ela nos fez explorar corredores escuros com passos contidos, carregar armas vazias e respirar com dificuldade diante do inesperado. Porém, após o terceiro jogo, algo mudou. E não foi pouco. A Capcom abandonou o terror em nome da ação. Trocou a tensão por tiroteios. Substituiu o clima de sobrevivência por espetáculo. Neste artigo, afirmo com convicção: Resident Evil acabou no 3. E o que veio depois, apesar de vender bem, é uma franquia diferente. Pior: é uma série que renegou o próprio DNA.
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A Fórmula Perfeita dos Três Primeiros
Do primeiro ao terceiro título, a Capcom acertou o tom. Cada elemento trabalhava em favor da tensão:
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A câmera fixa limitava a visão e criava insegurança.
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A escassez de recursos fazia cada tiro valer.
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Os puzzles exigiam raciocínio, não pressa.
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A trilha sonora sutil amplificava o silêncio.
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E os cenários opressivos geravam claustrofobia.
O jogador se sentia vulnerável. Não como herói, mas como alguém prestes a morrer. Cada encontro era uma ameaça real. O medo vinha do desconhecido, não da ação. Era necessário explorar, voltar, fugir. Nada vinha fácil. E isso era proposital. Além disso, a ambientação era coesa. A mansão do RE1, a delegacia do RE2 e a Raccoon City em chamas no RE3 formavam um universo crível. Tudo girava em torno da Umbrella, seus experimentos e suas consequências biológicas. Nada de seitas ou entidades sobrenaturais. Apenas ciência e horror.
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Resident Evil 4: Quando a Ação Matou o Medo
Em 2005, a Capcom lançou Resident Evil 4. O impacto foi imediato. O jogo revolucionou os shooters em terceira pessoa. Recebeu prêmios, vendeu milhões e foi chamado de obra-prima. Mas a que custo?
Para funcionar como jogo de ação, RE4 abandonou quase tudo que fazia Resident Evil único:
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A câmera agora ficava no ombro. Isso dava controle total ao jogador.
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Os inimigos corriam, falavam, usavam armas. Zumbis lentos ficaram no passado.
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A munição era abundante. O inventário, ampliado. O ritmo, acelerado.
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Os puzzles se tornaram triviais. Passaram a servir de pausa entre combates.
Além disso, a narrativa deixou a Umbrella de lado. No lugar, surgiu uma seita espanhola caricata. Leon, antes um policial inexperiente, virou um herói de ação. As falas tinham humor exagerado. O tom ficou campy. O medo se esvaiu.
RE4 é um excelente jogo. Mas não é um Resident Evil. É o marco da separação.
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RE5 e RE6: A Queda Livre
Se RE4 foi a guinada, RE5 e RE6 foram o tombo. A Capcom não apenas abandonou o terror — ela o rejeitou. Em Resident Evil 5, a experiência se tornou puramente cooperativa. Dois jogadores enfrentavam hordas em ambientes abertos e ensolarados. O terror não tinha onde se esconder. A jogabilidade priorizava combate intenso. Armas de fogo, granadas, combos. A tensão se perdeu no barulho. Já em Resident Evil 6, tudo piorou. O jogo tentou ser quatro em um. Criou campanhas separadas para Leon, Chris, Ada e Jake. Cada uma com um estilo. Mas nenhuma com identidade. A câmera tremia. A ação era incessante. Havia perseguições, explosões e tiroteios sem pausa. Mais uma vez, os fãs do terror foram deixados de lado. O jogo não queria assustar. Queria impressionar. Mas a crítica foi dura. E os jogadores se dividiram. Muitos abandonaram a franquia ali.
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RE7 e Village: Tentativas Vazias de Resgate
Após o fracasso de RE6, a Capcom reconheceu a crise. Tentou, então, recuperar o horror com Resident Evil 7. O jogo trouxe mudanças importantes:
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Adotou câmera em primeira pessoa.
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Retomou a ambientação opressiva.
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Limitou recursos.
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Criou uma casa rural cheia de ameaças.
No entanto, faltava algo. Faltava Resident Evil. A Umbrella quase não aparece. Zumbis, nem se fala. Em seu lugar, temos monstros gosmentos e uma família de canibais psicopatas. O jogo lembrava O Massacre da Serra Elétrica — e não o universo construído até RE3. Em Resident Evil Village, a ruptura ficou ainda mais evidente. O jogo virou um parque temático de horrores: lobisomens, vampiras gigantes, bonecas possuídas. Tudo muito estilizado. Nada coerente com a base biológica da franquia Sim, são jogos com momentos intensos. Mas não são Resident Evil como conhecíamos.
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Os Remakes: Modernos, mas Vazios
A Capcom relançou Resident Evil 2 e Resident Evil 3 com gráficos impressionantes. Os fãs se empolgaram. Mas a reimaginação custou caro.
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As câmeras fixas sumiram.
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A jogabilidade ficou ágil demais.
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Muitos puzzles foram removidos.
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A ambientação ficou limpa, quase genérica.
No caso de RE3 Remake, a perda foi ainda maior. Áreas inteiras do original foram cortadas. O jogo ficou curto, direto e sem peso. Nem mesmo o Nemesis conseguiu resgatar o pavor original. Em vez disso, virou um obstáculo scriptado, previsível. Os remakes atualizam o visual. Mas não devolvem a alma.
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O Peso dos Números: Lucro Não É Legado
Os defensores dos novos jogos citam números. De fato, o RE 4 Remake já vendeu mais de 10 milhões de cópias. Além disso, o RE 2 Remake ultrapassou a marca dos 15 milhões, enquanto o RE 7 chegou aos 14,7, e, por fim, o Village alcançou 11 milhões. Contudo, essas cifras demonstram apenas sucesso comercial; entretanto, não provam fidelidade à essência da série. Aliás, a própria Capcom admitiu em entrevistas que, para conquistar o público ocidental, precisou privilegiar a ação porque, segundo ela, o terror vendia menos. Desse modo, o medo foi gradualmente trocado por acessibilidade. O silêncio acabou cedendo espaço à música épica. A tensão, por sua vez, dissolveu-se em conveniência. Consequentemente, o que se ganhou em alcance perdeu-se, infelizmente, em profundidade.
Conclusão
Os três primeiros Resident Evil formam, sem dúvida, uma trilogia que definiu o gênero survival horror. Desde o início, eles equilibraram jogabilidade, narrativa e ambientação com notável maestria. Cada elemento — desde a câmera estática até o design sonoro — existia com um propósito claro: fazer o jogador sentir medo, e não controle. A partir do quarto título, no entanto, tudo começou a mudar. E, ao contrário do que muitos dizem, não foi uma evolução natural. Pelo contrário, tratou-se de uma descaracterização progressiva. A essência do terror, antes cuidadosamente construída, foi sendo deixada de lado em nome da ação, da velocidade e da superficialidade visual.
Atualmente, a franquia vive de remakes, reinterpretações e reformulações constantes. Embora visualmente impressionantes, esses lançamentos raramente resgatam o espírito original. Em outras palavras, o que resta é apenas uma estrutura reconhecível — mas desprovida de alma. Sim, é possível jogar os novos títulos. É possível até apreciá-los, sobretudo se o jogador busca ação estilizada e gráficos modernos. Entretanto, isso não significa que sejam a mesma coisa. Comparar o terror opressor dos originais com o ritmo frenético dos atuais é, no mínimo, injusto com o legado da trilogia clássica. Portanto, reafirmo: Resident Evil, como experiência de terror psicológico e sobrevivência, morreu em 1999. Desde então, o nome permanece. Mas a alma, não.